A Disciplina

Sábado, 17 de abril de 2021

A Disciplina

A DISCIPLINA

      No âmbito da igreja, a palavra disciplina está entre as mais usadas e também faz parte das palavras mais adulteradas pela grande maioria dos crentes. Mas qual a razão dessa adulteração? Não sei bem porque, mas tenho percebido que, o que a maior parte do povo entende por disciplina é punição ou “castigo” imposto com atitude retributiva. O problema, é que com o passar do tempo, as palavras vão perdendo seus verdadeiros significados etimológicos, portanto, vão sendo de certa forma, vulgarizadas. Se a palavra “castigo” fosse tomada pelo seu verdadeiro sentido, eu concordaria que o ato de disciplinar tem a ver com a ação de castigar. Mas na prática observamos que isso não acontece.

      A palavra “disciplina” significa: ensino, instrução, educação, observância de preceitos ou normas estabelecidos por alguém ou por uma instituição, submissão a um regulamento, ou relação de subordinação do aluno ao mestre ou instrutor. Sendo assim, a palavra disciplina nada tem a ver com castigo ou punição.

     A palavra discípulo significa aluno, aprendiz ou seguidor, vem do vocábulo disciplina. Logo então, o disciplinador tem como finalidade ensinar, doutrinar, instruir e formar o discípulo. O discípulo por sua vez, só é um verdadeiro discípulo se o tal for disciplinado. Os apóstolos do senhor Jesus são chamados nos evangelhos de discípulos (Mt 11.1). E o Senhor Jesus não os chamou apenas para segui-lo, mas também para mudar de hábitos, renunciando uma série de costumes (Mt 16.24). Isso quer dizer que o fim supremo da disciplina é modelar o discípulo para enfrentar a hostilidade do meio ambiente e os obstáculos da vida.

     As igrejas pentecostais são as que mais geram filhos para o reino de Deus, mas são também as que mais abortam filhos espirituais. Mas qual a razão desse aborto? O problema é que, nós pentecostais, temos mania de deixar tudo a cargo do Espírito Santo, e o Espírito Santo não faz aquilo que nos é determinado a fazer. Ele não faz, não porque não pode, mas porque quer que nós cumpramos nossa tarefa, desempenhando nosso verdadeiro papel no corpo de Cristo. Ele sabe e pode fazer o bem que nós não queremos fazer, o que ele não pode é ser bom em nosso lugar.

     Fiquei feliz quando a Editora CPAD. começou a publicar a revista de discipulado. Essa revista fechou uma grande brecha no arraial da igreja. Ela serviu de remédio para curar o mal que causava aborto espiritual em nossas igrejas.

     A recomendação deixada pelo Senhor Jesus, aos seus discípulos, antes de subir para a glória foi primeiramente fazer discípulos (Mt 28.19-20). E os apóstolos sabiam fazer discípulos porque eram homens bem disciplinados, portanto, capacitados para realizar um bom discipulado. Sendo assim, o sucesso de qualquer trabalho reside na disciplina de quem realiza esse trabalho. Sócrates, o filósofo grego, dizia que a vida indisciplinada não é digna de ser vivida.

     A instrução seguida pela disciplina faz o discípulo pensar certo, e quem pensa certo vive certo. Por outro lado, quem pensa errado, vive errado. As ações objetivas de uma pessoa são quase sempre o resultado de sua subjetiva realidade interna, seja ela negativa ou positiva.

     A disciplina não faz parte do que eu faço nem do que eu sei, mas tão-somente do que eu sou. O homem disciplinado obedece aos preceitos humanos e divinos como quem ama e não como quem deve. Ele compreende que a essência do dever pode ser amada. Sendo assim, a solução do último problema da vida está em querer o dever, isto é, amar as determinações de Deus estabelecidas para sua vida. Quando não fazemos o que devemos, porque não amamos o que devemos nos revelamos como pecadores rebeldes e obstinados. Por outro lado, quando fazemos o que devemos, mas não amamos o que fazemos, somos escravos da disciplina. Entretanto, quando fazemos o que devemos e amamos o que fazemos somos livres, homens livremente disciplinados e disciplinadamente livres. Somente aquele que ama o que deve e faz o que ama é que é, ao mesmo tempo, bom e feliz, porque toda bondade consiste em cumprir o dever com júbilo e alegria. Eis aí o grande valor da disciplina. Ela leva o homem a sentir prazer no dever (Sl 1.2).

     Nesse aspecto, existem dois tipos de homens bons. O primeiro é aquele que cumpre o dever por compulsão externa. O segundo cumpre por impulso interno. Para o primeiro, a disciplina é uma senhora exigente. Para o segundo a disciplina é uma suave amiga. Mas por que essa diferença? A questão é que o amor ao dever nasce de uma grande compreensão. Não se pode amar sinceramente se não compreende a verdade daquilo que se ama. Foi nesse contexto que Agostinho disse, “conhecer para amar”. E Jesus disse, “conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo 8.32). Conhecimento é liberdade, e a liberdade trás consigo o elixir da verdadeira felicidade. Em face de tudo isso não fica nenhuma dúvida que o conhecimento perfeito vem do amor, porque o amor é a mais alta razão.

     O homem que quiser sorver os profundos mistérios de Deus, contidos atrás das letras na Bíblia sagrada, especialmente nos ensinamentos do senhor Jesus Cristo precisa ele passar necessariamente por uma disciplina orientadora.

     Agostinho, o maior teólogo da cristandade disse: “Amas-me e depois pode falar qualquer coisa sobre mim porque tudo o que falar de mim por amor só pode ser útil e construtível”. Somente nesse plano é que a disciplina causa efeito positivo. Porque o disciplinado percebe que o seu mestre age para lhe fazer melhor. Ele percebe que a disciplina vem para lhe construir e não para lhe destruir.

     O homem disciplinado é austero consigo mesmo e indulgente para com os outros. Vive se autocorrigindo procurando a cada dia se ajustar aos padrões divinos (Cr 11.31-32). E nesse espontâneo ambiente de austeridade consigo mesmo é que ele encontra sua maior felicidade porque nessa atitude ele harmoniza seu finito ser individual com o infinito ser divino.

A disciplina e o castigo

     A estultícia está ligada ao coração do menino, mas a vara da disciplina a afugentará dele (Pv 22:15).

     A disciplina às vezes suscita sentimentos desagradáveis principalmente na criança e no adolescente. Porque para eles, a disciplina parece tirar a sua liberdade privando-os de seus fictícios ideais utópicos. Mas, quando disciplinados a tempo hábil, ao se tornar adulto reconhecerão o valor da disciplina e agradecerão a quem os disciplinaram (Pv 23:13-25).

     A palavra castigar, (do latim, castigare) vem de duas palavras latinas, castum (casto, puro) e agere (fazer, agir), de maneira que castigare (castum agere) quer dizer purificar, e a palavra castigar só devia ser usada neste sentido disciplinar, o que, infelizmente, nem sempre acontece. Toda e qualquer punição que não tenha este caráter de verdadeira castigação ou purificação é imoral e incompatível com a vontade de Deus. Deus não pune ninguém por vingança, mas castiga seus filhos para os melhorar (Js 22.17; Sal 119.67,71).

     Quem pune alguém só para o fazer sofrer, comete um ato imoral e covarde. Toda e qualquer punição, para não ser imoral, deve ter o caráter de castigo (purificar) educativo, pedagógico e disciplinar.

     É lamentável que haja no cristianismo, muitos pregadores de um Deus vingativo, irado e a procura de defeitos nas pessoas para puni-las. Se Deus castiga alguém não é por ira, nem por vingança, mas tão-somente por amor.

     Às vezes Deus é demonstrado no Antigo Testamento como um Deus irado e vingativo, mas isto acontecia por causa da cultura do povo daquele tempo. Deus trata com o homem mediante seu nível de evolução humana e não de acordo com Sua absoluta e infinita grandeza divina. Um pai, não trata uma criança de acordo com sua maturidade de adulto, mas de acordo com a insipiência ou inocência da criança.

     É lamentável saber que a maioria dos ateus um dia foram cristãos. Mas porque saíram do cristianismo para o ateísmo? Simplesmente porque o cristianismo que lhe foram ensinados não foi o verdadeiro cristianismo. Por isso se converteram ao ateísmo.

     O famoso cientista Voltaire, criado num ambiente cristão, se tornou o protagonista da incredulidade, dizendo que só poderia crer num Deus que pudesse sinceramente amar, mas que o Deus do cristianismo (quer dizer, do pseudocristianismo por ele conhecido) não era amável; um Deus assim não se podia amar, nem propriamente odiar ou temer, mas simplesmente ignorar.

     Em alguns casos o ateísmo tem sido filho legítimo dum falso cristianismo que inventou um Deus-monstro. Fiquei absorto quando deparei com o resultado de uma pesquisa apontando que 70% das crianças brasileiras têm medo de Deus. Mas porque a razão de tanto medo?

     O nosso profundo senso moral nos faz saber que o fato de fazer sofrer alguém por um mal feito, sem nenhuma intenção ou possibilidade de o melhorar, é intrinsecamente mau e perverso, resultando dum sentimento imoral de vingança ou sadismo. E, no entanto, é precisamente esta a idéia que alguns “pastores” têm de Deus, esse mesmo Deus que eles proclamam como sendo a personificação da justiça, bondade e amor.

     O castigo físico só deve ser executado quando a criança depois de corrigida oralmente cometer o mesmo erro por varias vezes, e mesmo assim deve ser feito com amor, e não com ira, sempre fazendo a criança entender que isso é para o seu próprio bem. O pai que castiga brutalmente seus filhos está fazendo inimigos para o futuro, mas aquele que o castiga com leveza e amor está fazendo um amigo. O conselho da Bíblia não falha (Pv 27.6).

     Quando estive pela primeira vez no Japão fiquei um bom tempo em frente de um jardim observando um jardineiro disciplinar algumas árvores. Lá eles têm uma técnica bem avançada para dar a uma árvore a forma que bem desejar. Eles conseguem conservar a árvore no tamanho que bem quiser. E fazem ela crescer na direção que eles acharem necessário. Esse tipo de árvore é chamado de bonsai.

     Observei que a árvore ao nascer começa a crescer desordenadamente. A maioria delas crescem pra os lados, horizontalmente. Quando isso acontece o jardineiro amputa aqueles galhos ociosos que futuramente só vão trazer prejuízos pra árvore. O ato de cortar os galhos ociosos que crescem desordenadamente pra os lados é um trabalho disciplinador feito pelo jardineiro. Mas não é de um dia pra noite que aquele jardineiro dar à árvore a forma desejada. Fiquei sabendo que ele pode gastar muitos anos pra conseguir modelar uma árvore até ela chegar à estética ideal.

     Ao observar o trabalho daquele jardineiro eu me coloquei no lugar daquela árvore e entendi que na trajetória da minha vida Deus silenciosamente me disciplinou cortando alguns galhos ociosos da minha vida fazendo com que eu crescesse verticalmente quando na minha teimosia eu queria crescer de forma espraiada, horizontalmente. É claro que como eu, aquela árvore se sentia empobrecida ao perder alguns galhos ociosos, mas ela não sabia que com aquele ato disciplinar o jardineiro não queria empobrece-la nem mata-la, mas aumentar seus dias de vida e faze-la bela e saudável. Em face daquela situação eu entendi que por amor, às vezes Deus nos coloca em situações que suscita em nossas vidas sentimentos desagradáveis nos causando supostos empobrecimentos, mas nesse momento ele está nos disciplinando para uma vida rica e salutar.

     A palavra disciplina suscita sentimentos desagradáveis na mente de muitas pessoas. Pra muita gente, disciplina é sinônimo de sacrifício, sofrimento e renúncia.

     No princípio toda disciplina parece matar ou diminuir a vida; parece ser um empobrecimento, e não um enriquecimento da vida humana. E assim, revoltados com a disciplina, muitos abrem falência diante de Deus precipitando-se no abismo eterno.


Pastor Espedito Marinho